Eu me aceito, mas preciso que você faça isso por mim?
- Guilherme Bambace
- 31 de mar. de 2022
- 4 min de leitura
Texto originalmente escrito para a revista digital MindDiversity, iniciativa do coletivo de diversidade e inclusão da Mindsight.

Pesquisando sobre o tema dessa matéria para ter inspiração, acabei me deparando com o artigo “Aceitação da homossexualidade no Brasil cresceu de 61% para 67% em 2019”, da Folha de S. Paulo. Como você já pode ter percebido pelo título, o artigo menciona que um estudo apontava que 67% dos brasileiros consideravam que a homossexualidade deveria ser aceita pela sociedade, comparando esse percentual com o resultado de um mesmo estudo que tinha sido feito em 2013, quando esse número era de 61%.
Uma porcentagem de 67% não é tão ruim, considerando uma escala de 0 a 100. Mesmo assim, também não é tão boa. Mas não foi necessariamente essa porcentagem que chamou a minha atenção, e sim a forma como ela foi apresentada. O título do artigo traz um termo que é bastante utilizado na mídia e na nossa sociedade no geral, que é a questão da aceitação do público LGBT. Em relação a essa única palavra, acho que entra uma discussão muito importante, e é sobre isso que decidi escrever.
Aceitação, qual é o sentido?
Quando falamos em aceitação, podemos considerar dois extremos bastante diferentes que, ainda assim, são igualmente importantes. Por um lado, a aceitação é obviamente necessária, considerando todo o contexto por trás do movimento LGBT ao longo dos anos. Pessoas da comunidade eram recusadas uma série de direitos apenas por sua identidade, que se difere de uma norma pré-estabelecida que, sinceramente, não deveria nem existir, já que é natural que nós, como humanos, sejamos múltiplos e diferentes.
Tendo isso em mente, podemos ver então que a aceitação foi e sempre será essencial para a comunidade LGBT, que era (e em muitos casos ainda é) perseguida e menosprezada pela sociedade em um âmbito maior. São inúmeros os casos em que jovens LGBT não são aceitos por sua família e amigos, por exemplo, resultando em confrontos e complicações que podem carregar um impacto duradouro na vida dessas pessoas, o que chega a afetar sua saúde mental, autoestima e até sua aceitação própria até a idade adulta.
Segundo uma pesquisa feita pela Prefeitura de São Paulo, 63% dos jovens de 18 a 25 anos que foram entrevistados relataram sentir rejeição total ou parcial dos familiares após "saírem do armário". Já em relação ao mercado profissional, um levantamento realizado pelo LinkedIn em sua campanha #ProudAtWork revelou que 35% dos entrevistados LGBT afirmaram já terem sofrido algum tipo de discriminação no ambiente de trabalho, seja ela direta ou velada.
Assim, vemos que ter um espaço inclusivo e acolhedor onde todos são aceitos, independentemente de sua orientação sexual ou qualquer outro fator, é fundamental. Quando a sociedade diz que tem algo de “errado” com você, pode ser muito difícil se aceitar, e para muitos essa é uma jornada longa e cansativa. E mesmo com uma rede de suporte, a luta continua a mesma, já que se trata de uma questão principalmente interna, da autoestima e da auto aceitação.
Quando a “aceitação” é só um sinônimo para tolerância
Mas quando falamos em aceitação do público LGBT, raramente a mídia toma a nossa perspectiva como foco. No artigo da Folha de S. Paulo, por exemplo, a “aceitação” mencionada é a da população como um todo sobre a comunidade LGBT. Mas aí eu me pergunto por que nós, pessoas LGBT que são multifacetadas, diversas e reais, precisamos ser aceitas? Precisamos dessa validação? Se não formos aceitos pela sociedade que nos discrimina há tanto tempo, apenas deixamos de existir?
Quando falamos de aceitação sem levar em conta a nossa perspectiva interna, do público LGBT em relação a ele mesmo, a aceitação pode ser algo extremamente diferente. Nesse caso não se trata apenas da aceitação, mas sim da tolerância. A partir desse ponto de vista, vemos a sugestão de que precisamos que outros nos aceitem, como se isso fosse impedir toda a discriminação que a comunidade LGBT sofreu e ainda sofre até hoje.
Hoje o Brasil pode ter um percentual de aceitação LGBT de 67%, mas ele ainda é um dos países que mais discrimina e mata pessoas LGBT no mundo. Ainda é um país que ocupa o primeiro lugar em homicídios de LGBTs nas Américas, e ainda é um país onde a cada 48h uma pessoa trans é assassinada.
Assim, quando a mídia fala que estamos sendo aceitos, é importante lembrar que isso não quer dizer que estamos necessariamente sendo respeitados e tratados como iguais. Muitas vezes isso quer dizer que somos uma força tão grande e tão difícil de ser desconsiderada, principalmente hoje que a discussão sobre o movimento é tão mais presente, que outros se sentem obrigados a dizer que nos “aceitam”, por que abordar esses assuntos é intimidante demais.
A nossa aceitação deve ser própria, e não dos outros
No final do dia, precisamos nos lembrar de uma coisa muito importante: como pessoas LGBT, temos muitos obstáculos a serem enfrentados, sendo um esforço contínuo. Isso é um fato. No entanto, quando o tema é aceitação, a única aceitação que devíamos considerar é aquela que você sente por você mesmo. Outras pessoas podem nos tolerar ou nos aceitar, e (pasmem!) de qualquer forma ainda vamos estar aqui. Mas você ser feliz com quem você é, não importa sua orientação sexual, seu gênero, sua etnia, idade ou qualquer outro fator, isso é aquilo que realmente mais importa.
Eu havia mencionado que abordar assuntos como esse pode ser intimidante para muitos mas, na verdade, fazer isso é essencial, porque esta é uma questão que realmente existe e que deve ser reconhecida e discutida. Nessa revista, queremos promover essa discussão e diálogo sobre a diversidade LGBT, e todo mês vamos trazer matérias sobre diversos temas, assim como novidades e até nossas próprias indicações de filmes, livros e produções culturais.
Se quiser conferir, é só continuar lendo o conteúdo que preparamos para você e nos apoiar da forma que conseguir, nos ajudando a manter esse projeto que é tão interessante e necessário. Esperamos que goste!
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